terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O Barão von Hübner e a Assistência Pública no Império

José Guilherme Beccari


Um dos mais graves problemas enfrentados pela República no Brasil, nos dias de hoje, é a assistência pública. Englobando os ministérios com os maiores orçamentos (saúde e previdência social), pode-se dizer que estamos diante de uma calamidade. E, pior ainda, representa um "rombo" crescente e insolúvel nas contas públicas.

Não era essa, porém, a situação no tempo do Império. Muito pelo contrário, como relata o Barão von Hübner, ilustre diplomata austríaco que visitou o Rio de Janeiro em 1882, estudando os relatórios da época, constatou que o sistema brasileiro era muito superior aos existentes na França e na Inglaterra!

Conforme relata o Barão Von Hübner em seu "Diário", em parte transcrito no livro do diplomata brasileiro, Ministro Roberto Mendes Gonçalves, "Um Diplomata Austríaco na Corte de São Cristóvão" (Ed. Saraiva – 1970), a assistência pública na França e na Inglaterra daquela época, ao contrário da brasileira, tinham "o inconveniente de criar e desenvolver a mendicidade". Em sentido oposto, o Brasil tinha "instituições sem igual no mundo, tais como a Santa Casa de Misericórdia e o Hospício de Alienados D. Pedro II."

As instituições que a compunham tinham um patrimônio conjunto de cerca de 100 milhões de francos e se dividiam em duas categorias: 1º) as que se ocupavam dos próprios sócios; 2º) as que distribuíam auxílio a toda a necessidade real que o reclamasse.

Descreve em seu diário que a assistência pública no Brasil não recebia subvenções. Era administrada por particulares. Subvencionadas ou não, todas as instituições de beneficência eram administradas com a mesma independência, auferiam seus principais recursos do concurso livre dos sócios e possuíam muitas vezes patrimônios consideráveis em fundos imobiliários ou apólices públicas.

Nesse sentido informa que o patrimônio da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro – instituição fundada em 1545 cuja prosperidade verdadeira e desenvolvimento prodigioso datam do reinado de D. Pedro II e que era considerada modelo no país – ultrapassava 40 milhões de francos. Isto significava , segundo diz, que "uma parte da cidade do Rio de Janeiro lhe pertence e é em suas caixas que se imobilizam os títulos da dívida pública que, lançados na bolsa do Rio, perturbariam momentaneamente o mercado. [...]

A Santa Casa de Misericórdia era no começo uma Irmandade; tornou-se graças as contribuições de sócios, um dos maiores estabelecimentos do mundo, suficientemente rico para dispensar contribuições e sócios titulares..."

Juntamente com o Hospício D. Pedro II, que albergava 400 alienados, possuía diversos anexos que incluíam asilos de órfãos, instituições que cuidavam de crianças encontradas e moças indigentes, sem contar oito casas hospitalares abertas em cinco províncias e dois cemitérios. Seu patrimônio compunha-se de propriedades urbanas e rurais, ações do Banco do Brasil e de títulos da dívida pública, rendendo juros de 6% ao ano, e, ademais, sua renda provinha da venda de ações, títulos, casas, contribuições voluntárias sempre muito abundantes, legados muitas vezes consideráveis e de uma subvenção indireta do Estado em troca de tratamento gratuito dos marinheiros dos navios transatlânticos, e também do produto de quatro loterias por ano. Em outras palavras, aquelas instituições praticamente não pesavam sobre os cofres públicos!

O exemplo foi seguido pelas demais províncias. A enumeração das casas de misericórdia em todo o Império encheria várias páginas.

Adicionalmente, esclarece o Barão von Hubner que "a verdadeira forma da beneficência no Brasil é a da mutualidade representada pelas Ordens Terceiras e as sociedades civis de beneficência que é a que realizada da melhor maneira o ideal da solidariedade cristã."

Aquele nobre, de maneira penetrante, analisa as vantagens do sistema brasileiro. Esclarece que não tinha nenhum dos inconvenientes da caridade legal e tinha a imensa vantagem de representar grandes famílias onde se encontram todas as classes sociais nas melhores condições que contribuem para aproximá-las e a confundir seus interesses. Esclarece que ele substituía no Brasil os auxílios mútuos, as caixas de aposentadoria, os asilos de velhos da Europa, porém "sem nada pedir aos impostos e aos poderes públicos."

Por fim, o diplomata austríaco detectou a existência de uma miríade de outras instituições assistenciais que complementavam o sistema. Mostra que as Ordens Terceiras eram numerosas e que algumas dispunham de enorme patrimônio. Diz: "sua história está intimamente ligada à do país e os estatutos da filiação representam laços para milhares de famílias que se encontram e se reconhecem numa solidariedade comum de sentimentos e de concurso civil."

Constatou que muitas daquelas instituições mantinham hospitais e outras se consagravam a auxílios a domicílio. As cotizações eram sua renda principal, mas se beneficiavam igualmente da generosidade e dos legados da caridade brasileira. Entre as principais se destacavam no Rio de Janeiro as Ordens Terceiras de São Francisco da Penitência, fundada em 1619, de Nossa Senhora do Carmo, fundada em 1638 e a de São Francisco de Paula, fundada em 1756, todas com expressiva renda. E, ao lado dessas, havia grande número de sociedades particulares de diversas nacionalidades, cujo modelo era a Sociedade Portuguesa de Beneficência, fundada em 1840, dotada então de "magnífico hospital, de um serviço de consultas gratuitas e de um patrimônio de dois milhões e meio de francos." Notou, porém, que todas as nações estavam representadas com mais ou menos brilho naquele universo de associações.

Quando se mergulha nas brumas daqueles tempos, com base em descrições como as feitas acima, proporcionadas por testemunhas do peso como o Barão von Hübner, se tem uma como que saudade de um Brasil que fazia inveja à Europa... O que teria sido de nossa nação se não tivesse se distanciado das vias traçadas pela Providência e percorridas com tanto brilho no tempo do Império?

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