segunda-feira, 2 de março de 2009

A Crise Atual e a Economia em uma Sociedade Orgânica


A Crise Atual e a Economia em uma Sociedade Orgânica


J. G. Beccari*


A crise que se abateu sobre a economia capitalista pôs à mostra os pés de barro da sociedade industrial e globalizada moderna, a ponto de alguns pregarem a socialização do Ocidente,através da estatização de bancos e grandes empresas e a instauração de estritos controles e regulamentos sobre os demais entes econômicos. As grandes corporações modernas, onde o controle é difuso e o poder está em mãos de pessoas descompromissadas com os detentores do capital, estão a um passo da socia-
lização.

Ora, depois do estrondoso fracasso do socialismo, caracterizado pela pobreza ainda reinante nos países que teimam em mantê-lo, como a Cuba de Fidel Castro, seria um erro ainda maior cair nessa tentação.Ademais, à luz da doutrina cristã, o socialismo é de si ilegítimo ao preten-der estabelecer entre os homens uma sociedade igualitária, que afronta a ordem natural e que nega a propriedade privada objeto de dois Mandamentos da Lei de Deus: “Não roubarás” e “Não cobiçarás as coisas alheias.”

Qual é então a solução? Faz-se necessário entender as causas do pro-blema. Os economistas de todos os naipes divergem sobre isso. Limitam-se a constatar que a produção exagerada de bens, vendidos através de insidiosas campanhas de marketing, com o financiamento temerário de instituições financeiras, tudo isso aliado ao desejo incontido de lucro rápido de muitos consumidores, levou à formação de “bolhas”.

A verdade é que no âmago das crises as tendências desregradas do homem moderno. Especialmente quando se verifica que o homem de hoje deixou de ter uma razão mais elevada para sua exis-tência e de se preocupar com seu aperfeiçoamento moral e espiritual. Passou a viver o “aqui e agora”, tentando “tirar vantagem” de tudo, olvidando-se de suas obrigações para com Deus, para com sua família e até para consigo mesmo...

A hierarquia e o respeito na sociedade moderna não se pautam mais pelo critério do valor pessoal e do serviço ao bem comum, mas tão somente pela posse de bens materiais, dando, por vezes, lugar de proeminência a elementos amorais da burguesia abastada, quando não a oportunistas de duvidosa formação.

Além disso, a globalização, que transfere a produção industrial e a prestação de serviços para países longínquos, ins-táveis ou mesmo dominados por ditaduras socialistas, torna as economias dependentes de fatores extrínsecos ao controle local.

O capitalismo, sob a égide dos princípios da propriedade privada, da livre iniciativa e do respeito à função subsidiária do Estado, que, ao contrário do socia-lismo, é de si legítimo, se presta a abusos quando desvinculado dos princípios morais e cristãos. Abusos estes que contém o gérmen da atual crise ao colocar em primeiro plano a busca desenfreada do lucro como finalidade última e exclusiva da atividade econômica.

À vista do acima exposto, ousamos dizer que, se, no campo político, a restauração da ordem implica na volta da monarquia numa sociedade familiar e aristocrática, no campo econômico, a solução da crise está no retorno do homem a uma impostação perante a vida que coloque, verticalmente, Deus acima de todas as coisas e, por conseqüência, coloque o seu desenvolvimento moral e espiritual acima dos bens materiais. Diz o Evangelho: “procurai, antes de tudo, o Reino de Deus e a sua Justiça, e o resto todo vos será dado por acrés-cimo.”

Uma sociedade sacral, onde todos estivessem voltados para atingir o seu fim último, ordenaria automaticamente o consumo e a produção para suprir as legítimas necessidades do homem, sem cair em exageros ou desequilíbrios. O homem voltado para Deus e mais centrado em si e no seu próximo seria tendente a aproveitar e garantir o que possui. Deixaria de se voltar para o lado, horizontalmente, procurando vantagens mirabolantes, por vezes em outras pessoas,em outras situações pessoais ou em locais distantes.

Assim, as necessidades do homem bem ordenado seriam atendidas antes de tudo pelo seu trabalho e pelos bens produzidos por produtores próximos que se utilizariam da matéria prima e mão de obra locais, desenvolvendo ao máximo as potencialidades regionais, sem a dependência de fatores externos, fora de seu controle. A estabilidade daí decorrente, tal como nas antigas fazendas nas quais quase tudo se produzia internamente,
é evidente.

A produção visaria primordialmente atender as necessidades dos consumidores. A qualidade e o requinte dos bens teriam prioridade em relação à quantidade. O lucro pela produção proporcional àquelas necessidades garantiria ao produtor e à sua família uma vida condigna e a melhoria de sua situação pessoal. Os consumidores, por seu turno, se limitariam a adquirir aquilo de que necessitassem, dentro de suas possibilidades.

Tal sociedade seria ordenada hierarquicamente em função do serviço de seus membros à Igreja e ao bem comum, e não somente em função da riqueza. Isso colocaria em seu devido lugar as tendências humanas, desregradas por natureza.

Tal sociedade não é utópica como poderia parecer à primeira vista e já existiu na História, na Idade Média. Na Encíclica Immortale Dei, Leão XIII des-creveu nestes termos a Cristandade medieval: “Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer”.

A hierarquia social da Idade Média era encabeçada pelo clero, cujo direi-to provinha da doação de si mesmo à religião – clero este que tinha por incumbência, ainda, prover as duas mais dispendiosas atividades do Estado moderno, a instrução e a saúde, através das escolas e hospitais mantidos pelos religiosos. A seguir vinha a nobreza, tributada com o chamado “imposto de sangue”, decorrente do serviço militar à nação, e incumbida, ainda, de prestar a Justiça e da segurança interna. Por fim vinha o povo que, dispensado da guerra, podia se dedicar comodamente ao comércio e à produção, atendendo às necessidades materiais da sociedade, mas tributário da nobreza.

A partir do Renascimento e do Huma-nismo a religião deixou de ser o centro da existência humana, que passou a ser ocupado pelo próprio homem. Homem este que, embora acumulando riquezas de maneira lícita, pois fruto de seu trabalho e engenho, já era dominado por suas paixões sem os limites da moral. A burguesia, levada por ideólogos revolucionários, a pretexto de possuir fortuna, passou então, de maneira indevida, a reivindicar a direção da vida pública, culminando com a Revolução Francesa.

A Revolução Industrial não foi senão um seguimento do movimento tendencial de acumulação ilimitada de riquezas. A produção em massa, em que a quantidade e o lucro se sobrepõem à qualidade e ao atendimento das necessidades dos consumidores, alterou o foco da economia. Seguindo os preceitos de Adam Smith, a produção deixou de ser regional e proporcionada às necessidades locais. A propaganda passou a induzir ao consumo, às vezes muito além da zona natural de influência dos produtores e das próprias necessidades dos consumidores. Daí para a globalização foi apenas um passo a mais...

Temos, ainda, a indução à urbanização. Quebra-se a organização social familiar e patriarcal, ligada sobretudo à terra, que era de si mais condizente com a natureza humana. A família moderna, urbana, passa a ser nuclear (pai, mãe e um ou dois filhos) subordinados à ditadura dos meios de comunicação de massa. A previdência social e o amparo aos doentes deixam de ser feitos pela família e passam ao Estado.

Dispensamo-nos, aqui, de abordar o tema do empobrecimento cultural resultante da produção industrial em massa e globalizada, o que é objeto de estudos de diversos especialistas. Certo é que a rica diversidade regional tende a desaparecer. Por exemplo, os mil queijos artesanais de um país europeu seriam substituídos pelo queijo único pasteurizado...

Retornando ao tema deste artigo, temos, pois, que, pelos fatores acima, a economia moderna ficou sujeita a crises cada vez mais agudas e incontroláveis. E, não nos iludamos: a proliferação de leis e regulamentos num stado totalitário, além de trazer a centralização e a injustiça, não evitará o caos e a pobreza característicos dos países socialistas. Somente a volta à ordem natural poderá salvar a Babel moderna da desagregação e direcionar o mundo para um novo período de progresso material e de verdadeira riqueza.


* Advogado e presidente do Pró Monarquia

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